O Brasil registra ao menos 24 assassinatos ligados a conflitos no campo em 2018. O número de casos é inferior aos computados em 2017, quando houve 71 mortes, mas não representa uma queda na violência, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), responsável pelo levantamento.
“Se no ano passado a matança era indiscriminada, inclusive com chacinas, neste ano os alvos são líderes de movimentos” , diz Ruben Siqueira, membro da coordenação executiva nacional da Comissão Pastoral da Terra.
No último sábado (8), dois membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram assassinados em um acampamento em Alhandra, na Paraíba.
Uma das vítimas era José Bernardo da Silva, conhecido como Orlando: ele é o segundo de três irmãos ligados a movimentos sociais que foi executado no estado. Em 2009, um outro irmão de Orlando, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens na Paraíba, foi morto em uma emboscada.
Assim como Orlando, dos 24 assassinatos registrados neste ano, 54% são de líderes de movimentos agrários, indígenas, quilombolas e ribeirinhos, de acordo com a CPT.
Em 2017, 22% das 71 mortes eram de lideranças. Os casos de massacre elevaram a contabilidade dos mortos naquele ano, como na chacina de Pau D’Arco, no Pará, onde 10 pessoas foram assassinadas na fazenda Santa Lúcia. Um ano depois, 17 policiais acusados de cometerem os homicídios ainda respondem ao processo.
O G1 entrou em contato com os ministérios da Justiça e da Segurança Pública, mas ainda aguarda uma resposta sobre a violência no campo.
Intimidação Para Siqueira, a violência está piorando porque, agora, contém o “efeito intimidação”.
“Você intimida de duas formas: ou matando indiscriminadamente [como no caso das chacinas], ou matando lideranças [para enfraquecer o movimento]”, fala. “E as duas coisas estão acontecendo”, diz.
Mortes por conflitos agrários no Brasil â Foto: Juliane Monteiro/G1 Mortes por conflitos agrários no Brasil — Foto: Juliane Monteiro/G1 Disputa por terra Ruben Siqueira destaca que a maior parte dos casos registrados em 2018 ocorrem com populações que já têm suas terras, mas que estão sendo ameaçadas.
“Boa parte da violência está acontecendo com quem já tem terra: quilombolas, indígenas, extrativistas. Tem uma gama de atividade nestas áreas que são demarcadas. O que estamos percebendo é que eles [assassinos] estão indo para cima de unidades de conservação e reservas”, aponta.
Disputa por reserva no Pará e Amapá Ele destaca o conflito recente que ocorreu na Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), uma área que fica no Sul e Sudeste do Amapá e Noroeste do Pará e tem o tamanho do estado do Espírito Santo.
Em agosto de 2017, a Renca foi extinta. Ambientalistas, indígenas e artistas pressionaram e a decisão foi revogada pelo Governo Federal, primeiro parcialmente e, depois, totalmente.
Porém, em junho deste ano o presidente Michel Temer assinou um decreto para ampliar a exploração de minerais na Renca e o Ministério Público do Amapá pediu à Justiça que o documento fosse anulado. Não houve avanços no processo.
Quem são as vítimas? Levantamento da CPT mostra quem são as vítimas e quais foram as circunstâncias das mortes:
Janeiro
Em janeiro, um ex-dirigente nacional do Movimento Sem Terra foi morto a tiros na frente do filho de 6 anos em uma propriedade rural na cidade de Iramaia, na BA. Para CPT, o homicídio tem características de crime encomendado. Defensor de direitos humanos e liderança pela reforma agrária, Valdemir Resplandes dos Santos, conhecido como “Muleta” ou “Muletinho”, foi morto em Anapu, no PA. Ele foi alvejado nas costas e, depois, levou um tiro na cabeça. O crime aconteceu na mesma cidade em que a missionária norte-americana Dorothy Stang foi assassinada em 2005. Segundo a CPT, trinta minutos após a execução de Resplandes, um outro crime teve ligação com o primeiro homicídio: Gazimiro Sena Pacheco, o Gordinho, foi morto por saber detalhes daquela execução. Fevereiro
Um líder de um assentamento foi morto a tiros em frente à Prefeitura de Paranatinga (MT) depois de denunciar ameaças. Ele estava com a esposa e a filha. A mulher chegou a ser atingida de raspão, e a criança não se feriu. Para a polícia, a morte pode estar relacionada à disputa de terras no estado. Um trabalhador rural foi morto a tiros quando realizava a demarcação de terras em Ouro Preto do Oeste (RO). Março
Um dos líderes comunitários da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), que faz denúncias contra problemas ambientais na região, foi morto a tiros em Barcarena (PA). Paulo Sérgio Almeida Nascimento, de 47 anos, era um dos diretores da entidade. Um trabalhador rural sem terra foi morto a tiros em Pau D’Arco (PA). De acordo com a polícia, o motivo do crime seria o conflito fundiário. Abril
A liderança quilombola Nazildo dos Santos Brito foi encontrada morta após receber uma ligação durante a noite e sair de casa. Segundo a CPT, o corpo tinha marcas de tiros nas costelas e na cabeça. Ele era ex-presidente da Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes Quilombolas do Alto Acará e sofria ameaças por denunciar crimes ambientais. Edemar Rodrigues da Silva, o “Galego”, foi morto durante uma disputa por terras no acampamento Terra Nossa/Jaú, em Ouro Preto do Oeste (RO) Junho
Seis meses após ter o tio assassinado, o trabalhador rural sem terra Leoci Resplandes de Sousa também foi morto por envolvimento em conflitos de terras, de acordo com a CPT. Leoci era sobrinho de Valdemir Resplandes dos Santos, um defensor de direitos humanos e líder pela reforma agrária em Anapu (PA). De acordo com a CPT, a mãe de Leoci e irmã de Valdemir, que assumiu a liderança da Gleba 46 após a morte do irmão, também recebe ameaças. A liderança do Movimento dos Pequenos Agricultores no Pará e morador do Acampamento 13 de Agosto, Katyson de Souza, conhecido como “Gatinho”, foi assassinado a golpes de facão na cabeça após uma emboscada. Segundo a CPT, ele era muito atuante na luta pela terra e direitos dos camponeses e recebia ameaças de fazendeiros desde o ano passado. Julho
Dois posseiros, Tiago Campin dos Santos e Ademar Ferreira, foram assassinados a tiros em Nova Mamoré (RO). Um sargento da PM, João Batista, também morreu no confronto. Segundo a CPT, Tiago e Ademar lutavam pela permanência em terras que seriam da União e estavam ocupadas por 105 famílias há 3 anos. Ismauro Fátimo dos Santos, líder agrário, foi morto a tiros após sofrer uma emboscada. Segundo o delegado regional da Polícia Civil, Fred Matos, o local é marcado por disputas de terras. O sem terra Lucas de Lima Batista foi encontrado morto com marcas de tiro no corpo. Segundo a CPT, o assassinato dele ocorreu após um ataque feito ao acampamento onde morava. Agosto
Dois trabalhadores rurais foram mortos a tiros na Fazenda Pacajá, em Marabá (PA). Segundo a CPT, eles teriam sido aliciados para desmatar terras, mas estavam submetido a condições degradantes e denunciavam a situação. Após os tiros, os corpos foram recolhidos por funcionários dos fazendeiros e a polícia não compareceu ao local, ainda de acordo com a CPT. Juvenil Martins Rodrigues, o “Foguinho”, foi morto a tiros por dois homens em uma motocicleta. Segundo a CPT, Rodrigues era ameaçado de morte desde 2017. Setembro
O quilombola Haroldo Betcel foi morto na comunidade Tiningu, a 45 km de Santarém (PA). Segundo a CPT, Betcel e o suspeito de cometer o crime tinham desavenças por conflitos fundiários. Outubro
Um indígena da tribo Kawahiva do Rio Pardo foi assassinado em um confronto envolvendo madeireiros e servidores da Funai em Colniza, MT. Ele foi identificado como Erivelton Tenharin, de 43 anos. Aluísio Sampaio, um líder dos sem terra, foi assassinado com tiros na cabeça. O suspeito do homicídio foi preso em flagrante. Sampaio era ligado ao movimento de posseiros. Em 2017, o ativista já tinha recebido ameaças de morte, devido à disputa com grileiros da região. De acordo com o Movimento Rural dos Trabalhadores Sem Terra (MST), apesar de Aluísio ser considerado uma liderança dentro do movimento rural, ele nunca foi vinculado à entidade. Novembro
O líder indígena Reinaldo Silva Pataxó foi morto com seis tiros após sofrer uma emboscada. Para a CPT, o crime tem características de pistolagem. Dezembro
Dois integrantes do MST na PB são mortos a tiros por encapuzados em acampamento, segundo a PM. Segundo a CPT, uma das vítimas era uma liderança do movimento na região. José Bernardo da Silva, conhecido como Orlando, é o segundo de três irmãos ligados a movimentos sociais que é executado na Paraíba. Em 2009, um outro irmão de Orlando, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens na Paraíba, foi morto em uma emboscada. Fonte: G1